Há 10 anos eu tentava me imaginar com 30 anos e pensava que seria um cara sério, engravatado, do tipo importante. Hoje, muito perto dos 30 aprendi que pessoas pequeninas em lugares pequeninos, podem mudar o mundo e transformar a dura realidade construída pelos caras engravatados, sérios e importantes. Escolhi ser uma pessoa pequena.
Uma vida tranquila soa como uma opção que somente os derrotados vivem. Nossa era está repleta dos benefícios de uma maneira de vida ativa e dinâmica. Se alguém nos oferece um grande salário para trabalhar em outro canto, nós nos mudamos. Se alguém nos mostrar o caminho da fama, nós o tomamos. Se alguém nos convidam para a festa, nós vamos. Isso soa como ganhos puros e in-ambíguos, enquanto uma vida tranquila possui suas excentricidades. Parte pois, os defensores de uma vida tranquila são tidos como provenientes das áreas mais implausíveis da sociedade. Preguiçosos, Hippies, alguém que foi demitido. Pessoas que parecem como que não tiveram escolhas, que não souberam organizar-se.
Parece que uma vida tranquila lhes foi imposta por sua própria inaptidão. Mas ainda, quando analisamos de perto, vemos que a vida atribulada tem custos acidentais contundentes, que muitas vezes são ignorados. Por exemplo, nós temos pouco controle sobre o nosso tempo, quando assumimos certa posição na sociedade. Nós podemos até fechar uma fábrica na Índia, enquanto nossas palavras são atentamente ouvidas, com algum respeito, mas o que não podemos assumir é que estamos cansados e que queremos passar a tarde toda lendo no sofá. Não podemos mais expressar os nossos mais espontâneos, imaginativos e vulneráveis lados, ao longo que nos tornamos estranhos a aqueles que nos amam fora da nossa prosperidade e status. Nossos filhos nos veem menos, nossas esposas se azedam. Nossa prosperidade pode ser tremenda, mas perdemos a chance de não fazer nada por pelo menos um dia.
Mas a gente reluta um tanto até entender e aceitar isso. A gente prefere não chegar nesse final e vai fazendo carinho nos sapos engolidos que vão se entulhando no brejo do peito. Até que, então, em um dia, a gente se rende porque chega no limite da luta contra a aceitação do próprio limite. E, por fim, nos entregamos a tudo aquilo que está em colapso dentro da nossa cabeça, corpo e alma. Chegamos um pouco mais perto de nós mesmos, porque finalmente entendemos que aceitar o que não se dá conta de ser e fazer é também honrar. Honrar os pedaços da gente, como dar a eles a roupa mais bonita que se tem no armário, mesmo que eles sejam feios de doer, mas são nossos.
Talvez a figura mais famosa na cultura da história ocidental foi alguém muito interessado nos benefícios de uma vida tranquila. Nos evangelhos, Jesus disse a seus discípulos a não levar nada além do necessário. Nenhum pão, nenhuma mala, nenhum dinheiro, somente um par de sandálias, mas não um par de túnicas. A cristandade abre um espaço em nossa imaginação ao criar distinção entre dois tipos de pobreza. Em uma mão, a pobreza voluntária e na outra e a pobreza involuntária.
Nesse momento da história nós estamos tão aficionados na ideia de que a pobreza é sempre involuntária e resultante de falta de talento que não podemos imaginar que ela pode ser resultado da livre escolha de uma pessoa habilidosa e inteligente, com base na racional avaliação dos custos e benefícios. Pode ser sinceramente possível para alguém decidir não assumir o trabalho bem remunerado, não publicar outro livro, não perseguir um cargo melhor, não por não ter a chance, mas por ter examinado as externalidades, resolveu não lutar por elas.
Um dos momentos centrais na história do cristianismo foi em 1204, quando um próspero jovem, hoje conhecido como Francisco de Assis, de bom grado renunciou os bens mundanos que tinha, que não eram poucos, e o fez não por uma compulsão externa mas por acreditar que essas coisas interfeririam em outras coisas que ele realmente desejava, como a chance de contemplar Jesus e seus ensinamentos, honrar o Criador, admirar a natureza e ajudar os mais pobres da sociedade.
No mesmo sentido a cultura chinesa igualmente tem reverenciado o que denomina Yin Shi ou Reclusão. Alguém que vive fora da vida ocupada, da política e do mundo comercial e vive de forma mais simples, usualmente vivendo ao lado de uma montanha. A tradição começou no século IV AC, quando um grande oficial do governo, chamado Tao Qian, se rendeu e entregou seu cargo político para viver no interior, farmear, produzir vinho e escrever. No seu poema “Bebendo Vinho” conta aos ricos o que a pobreza lhe proporcionou:
” Ao colher os Crisântemos na cerca-viva oriental
Eu me deparo com as distantes montanhas do sul.O quão lindo é o por-do-sol entre as névoas da montanha
Enquanto uma revoada de pássaros retorna para casa.Em momentos assim encontro o verdadeiro sentido,
Mas quando tento explicá-lo não encontro as palavras.”
Existem para nós muitas opções para os caminhos de nossas carreiras que carregam consigo grande prestígio. Nós poderíamos ter algo profundamente impressionante para responder a aqueles que nos perguntam em festas, o que nós fazemos. Mas isso não significa necessariamente que todos nós precisamos seguir essas possibilidades quando conhecemos o preço de algumas carreiras, mas talvez entendamos vagarosamente que não estamos dispostos a pagar pela inveja, medo, ansiedade. Nossos dias são limitados nessa terra. Nós, talvez pelo bem da verdadeira riqueza, desejemos, sem perder a dignidade, optar por nos tornar um pouco mais pobres e um pouco mais obscuros.
Eu não preciso viver no limite, mas sinto que preciso passar por isso de tempos em tempos. Como na natureza, onde alguns bichos trocam de carcaça ou de pele quando a antiga já não lhes cabe mais. Hoje, nesse presente, eu me reconheço em um novo corpo. Honro o que deixei e, com a alma carregada de gratidão, fecho a porta desse lugar de ensinamentos por onde passei. Deixei o limite e vim aqui fora respirar o ar puro das transformações que escolhi colecionar.